
Por Douglas Teixeira de Melo e Jamil e Santana Mothé* — O Brasil está prestes a ar por uma verdadeira revolução em seu sistema tributário — ou, pelo menos, é o que promete a tão aguardada (e temida) reforma tributária. Simplificar impostos e acabar com a famosa "guerra fiscal" entre estados e municípios soa como música para os ouvidos dos contribuintes. Mas, no âmbito do Judiciário, essa dança vai seguir no ritmo certo ou tropeçar no meio do caminho?
Quando falamos em reforma tributária, é inevitável pensar no impacto que isso terá sobre os processos judiciais. Afinal, nosso Judiciário já vive cheio de trabalho. Atualmente, aproximadamente 33% dos processos são relacionados a execuções fiscais — uma sobrecarga para qualquer sistema. Então, o que esperar com essas mudanças?
<p><strong><a href="https://whatsapp.com/channel/0029VaB1U9a002T64ex1Sy2w">Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular</a></strong></p>
Dentro de uma visão romântica, poderíamos dizer: simplificação — sendo esse, inclusive, o maior trunfo da reforma. Menos siglas, menos obrigações órias, menos trabalho, menos dor de cabeça e, claro, a oportunidade de recolher o tributo correto logo após a concretização do fato gerador. Tudo isso com a promessa de trazer eficiência istrativa.
O bom efeito colateral da simplificação e da eficiência istrativa é que, como resultado, teríamos menos litígios, certo? Bom, em teoria, sim. Com regras claras e padronizadas, a tendência é que discussões sobre o local correto da tributação, os chamarizes de benefícios fiscais, redução de alíquotas, guerra fiscal, entre outros, diminuam — e o Judiciário agradece. Afinal, ninguém gosta de ar anos discutindo uma causa que, com um sistema mais claro, poderia nem ter existido.
Mas nem tudo são os embalos de um sábado à noite
Sejamos realistas: toda grande mudança vem com desafios. E, no caso da reforma tributária, o período de transição promete ser um verdadeiro vestibular para tributaristas, contadores e demais profissionais da área.
O Superior Tribunal de Justiça, recentemente, avaliou os impactos da reforma tributária no Poder Judiciário e concluiu que, com a instituição da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o contencioso judicial deverá triplicar sua carga processual.
E, se nos permitem ir além, em um exercício de futurologia, podemos apontar que, com a implementação do split payment (em que, como regra geral, o valor devido de IBS e CBS é separado e tributado no momento do pagamento), veremos a balança pender para outro lado. A tendência é o aumento de ações fiscais de iniciativa do contribuinte, enquanto as ações de cobrança fiscal por parte da Fazenda fiquem em segundo plano.
No sistema atual, digamos que uma empresa realize uma venda ou preste um serviço. Ela receberá o valor total do consumidor e, apenas depois, fará os devidos recolhimentos. A istração fiscal pode entender que esses recolhimentos foram parciais ou identificar que não houve recolhimento algum, lançando, então, a cobrança pelo que considerar devido. Essa cobrança será executada judicialmente, por meio da execução fiscal. O resultado é o que já mencionamos: atualmente, 33% de todo o contencioso judicial brasileiro são ações de cobrança da Fazenda Pública.
Paralelamente, a reforma tributária traz o chamado split payment, metodologia que promete sanar esse problema com a proposta de simplificar a operação — venda/prestação de serviço, recebimento e posterior tributação.
Isso porque o recolhimento do IBS e da CBS ocorrerá automaticamente na etapa anterior, no momento do recebimento pela venda ou prestação do serviço, por meio de uma retenção automática que será reada aos cofres públicos.
Nessa linha, se de um lado temos ações fiscais cobrando créditos não pagos pelo contribuinte, com o split payment, essas ações tendem a diminuir. Por outro lado, poderá haver aumento no número de ações que questionem e peçam a restituição de valores indevidamente retidos a título de IBS e CBS.
Quando comparamos o cenário doméstico com experiências internacionais, observamos que, na Índia, a implementação do GST (Goods and Services Tax) em 2017 trouxe benefícios de simplificação, mas também gerou um aumento considerável de disputas relacionadas à classificação de bens e serviços e às alíquotas aplicáveis. Na Itália, por sua vez, reformas tributárias anteriores também resultaram em desafios para os tribunais, especialmente no ajuste das interpretações legais às novas regras. Isso nos leva a crer que o Brasil, até por seu histórico naturalmente instável e juridicamente inseguro, não estará isento de situações similares.
Outro ponto que pode gerar confusão é a repartição de receitas entre estados e municípios. É como dividir uma pizza em que cada fatia tem um tamanho diferente dependendo do estado. Haverá muita discussão pelos pedaços - e sabemos que qualquer ime federativo acaba nas mãos do Judiciário.
A dança final
Então, qual é o saldo? A resposta — aquela que ninguém gosta de ouvir, mas que todo advogado é obrigado a mencionar — é: depende. A simplificação pode, sim, trazer grandes avanços, mas apenas se for acompanhada de um plano de transição muito bem estruturado. Sem isso, o risco é cairmos em uma onda inicial de litígios que, em vez de resolver, sobrecarregará ainda mais o Judiciário.
No fundo, a reforma tributária nos desafia a repensar não apenas como dançar a nova música, mas também como lidar com os novos cenários — agora desconhecidos e inseguros — e como resolver as já previsíveis disputas que virão no futuro.
Há quem sustente que seria necessária até mesmo a implementação de uma reforma dupla: uma para o sistema tributário e outra que busque mecanismos alternativos e inovadores de resolução de conflitos, de forma ágil e eficiente. Do contrário, as chances de os tribunais continuarem sobrecarregados são grandes - e o contribuinte, preso em um novo labirinto fiscal.
Nesse novo momento que se aproxima, é fundamental que você, contribuinte, conte com um time de advogados e contadores bem atualizados e aptos a auxiliá-lo nos desafios da reforma tributária, preservando a regularidade fiscal da sua empresa. O tempo das perguntas e das situações difíceis parece não ter acabado — e, certamente, entraremos em um novo estágio.
Advogados do escritório PV Law*
Saiba Mais