
Tema de discussão e embate recente entre o governo federal e o Congresso, o imbróglio do aumento de alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pode estar no final e ter um desfecho já no início desta semana. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, convocou para hoje à noite uma reunião com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB). Também participam do encontro líderes partidários das duas casas e outros ministros da área econômica do governo.
A reunião foi confirmada logo após um encontro entre Haddad, Motta e Alcolumbre com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no último dia 3. Na ocasião, o titular da Fazenda disse que as medidas já estavam definidas, mas que seriam apresentadas aos líderes partidários antes de enviadas ao Congresso. Também ressaltou que haverá outras propostas que serão discutidas com Lula após a volta do presidente ao Brasil e que, segundo o ministro, "não precisam ser definidas imediatamente".
Apesar de ter a ideia pronta, Haddad deve ouvir sugestões de membros do Congresso para garantir a sustentabilidade fiscal do país. O líder do União Brasil na Câmara, Pedro Lucas (MA), disse que vai sugerir ajustes nos benefícios sociais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), além de propor mudanças no piso para profissionais das áreas da saúde e educação. Em vídeo publicado nas redes sociais, o deputado ainda falou sobre utilizar excedentes de leilões do petróleo e dividendos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para cobrir as despesas.
Por outro lado, o ministro das Cidades, Jader Filho, disse a jornalistas após participar do Fórum Esfera, em São Paulo, ontem, que a mudança nos benefícios fiscais deve pautar a reunião de logo mais. "Benefício fiscal não pode se tornar uma muleta, ele tem que ser um benefício que tem de acontecer como um impulso, para dar aquele 'start', mas não pode ser um benefício para a vida toda", disse.
Uso de excedentes do petróleo, revisão de benefícios fiscais e mudanças no piso salarial de determinadas categorias são algumas das cartas que o governo deve se debruçar para atingir a meta fiscal até o fim da gestão Lula, além de evitar o agravamento de problemas crônicos na dívida pública. A medida do IOF, como foi idealizada e publicada, prevê uma arrecadação extra de R$ 61,5 bilhões até o fim de 2026, de acordo com estimativa da equipe econômica.
Apesar do problema parecer pontual, de acordo com especialistas, envolve questões ainda mais complexas para o governo, que continua com desafios para honrar o compromisso fiscal, mesmo com uma regra aprovada há menos de dois anos. Na avaliação do analista senior da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto, a decisão do governo em alterar o IOF evidencia que as saídas para o governo estão diminuindo, à medida que o governo busca abrir espaço fiscal pelo lado das receitas.
"O fato é que muitas das apostas feitas pelo governo mostraram-se otimistas (ou mesmo equivocadas), sendo que agora houve a necessidade de itir tais frustrações. Sem apoio no Congresso para a aprovação de novos impostos e contribuições, a Fazenda partiu para a única alternativa que não dependia do Legislativo, no caso o IOF", considerou o economista.
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Na mesma linha, o professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto Luciano Nakabashi acredita que a agenda de controle das contas públicas precisa vir pela redução dos gastos como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Ele avalia que há dois pontos de maior pressão por aumentos de gastos no futuro decorrentes do envelhecimento da população: a questão previdenciária e o Sistema Único de Saúde (SUS). "É preciso já pensar em uma nova reforma da Previdência que eleve o tempo de contribuição, aumente as alíquotas e acabe com os privilégios existentes. As regras precisam ser muito parecidas para todos. Reduzir ao máximo as diferenças e exceções."
As mudanças no IOF também foram mal recebidas no setor produtivo e pelas instituições financeiras. Com a taxa de juros ainda em patamar mais restritivo, aos 14,75% ao ano, o aumento de imposto para operações de crédito, se for mantido, pode punir ainda mais as pequenas e médias empresas, como destaca o diretor jurídico da Associação Brasileira de Pagamentos (Abipag), Gabriel Cohen.
"A medida precisa ser avaliada para pensar nos impactos disso, porque, de novo, o a crédito é uma prerrogativa basilar hoje para a sociedade brasileira, no que diz respeito a dispor de recursos para aquisição, para coisas básicas. Eu acho que a gente realmente tem que olhar isso de forma atenta."
Receitas e despesas
Apesar das diferentes possibilidades à disposição para o governo, especialistas afirmam que o governo deve optar por cortar ainda mais gastos para cumprir a meta fiscal e garantir a sustentabilidade do Orçamento nos próximos anos. Na avaliação do presidente do Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo (Corecon-SP), Odilon Guedes, a equipe econômica deve se debruçar nas renúncias fiscais, que já somam cerca de R$ 600 bilhões neste ano.
Um exemplo citado por Guedes é o do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), um benefício concedido a restaurantes e hotéis durante a pandemia e que o setor luta para manter mesmo após o fim da crise sanitária. Também ressalta os altos custos para manter o Poder Judiciário e os militares, que são os únicos servidores a se aposentarem com salário integral, como lembrou. "O governo, porém, evita debater esses dois setores, que são amplamente favorecidos dentro da sociedade e que também deveriam ser incluídos nesse debate."
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Já na visão do consultor e executivo de gestão de riscos Rodrigo Provazzi, a questão do IOF evidenciou que o espaço para o aumento de imposto no país está cada vez mais escasso, o que, segundo ele, é um indicativo importante e que pode ajudar a incentivar uma redução maior das complexidades do sistema tributário atual. Entretanto, o especialista acredita que o governo deve se comunicar melhor e unir o discurso em torno da simplificação dos tributos.
"Ao mesmo tempo que a gente vem falando da reforma tributária, da reforma da renda, o governo vem com uma medida que traz essa incerteza de uma forma muito presente para as empresas, e eu digo que o empresário não tem tanto medo do risco. Desde que ele conheça, vai se preparar, vai precificar e tratar esse risco. Eu acho que o maior receio é com relação a essas incertezas", analisou.
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