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Carla Zambelli, condenada no STF, deixa o Brasil: o que se sabe até agora?

Deputada foi condenada a 10 anos de prisão em regime fechado e pode perder o mandato.

Deputada ganhou notoriedade após 2013, durante manifestações contra o então governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) -  (crédito: Getty Images)
Deputada ganhou notoriedade após 2013, durante manifestações contra o então governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) - (crédito: Getty Images)

A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), condenada a 10 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta terça-feira (3/6) que deixou o Brasil em direção à um país da Europa e que vai se licenciar do cargo para, segundo ela, lutar contra o que classificou de "falta de liberdades" e "censura" no Brasil.

"Gostaria de deixar bem claro que não é um abandono do país. Não é desistir da minha luta. Muito pelo contrário. É resistir. É continuar falando o que eu quero falar. Voltar a ser a Carla antes das amarras que essa ditadura nos impôs", disse a parlamentar em entrevista à rádio Auriverde, em transmissão na manhã desta terça-feira.

Zambelli não revelou em que país europeu ela estaria. A parlamentar afirmou ter cidadania de algum país europeu e que vai solicitar uma licença não-remunerada da Câmara dos Deputados para seguir fora do país. Ela disse que o pedido será semelhante ao feito pelo deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que, desde fevereiro está vivendo nos Estados Unidos.

A suposta ida de Zambelli à Europa acontece menos de um mês depois de ela ter sido condenada por unanimidade pela Primeira Turma do STF a 10 anos de prisão pela invasão de sistemas e pela adulteração de documentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Apesar da condenação, ainda não havia mandado de prisão contra a parlamentar. A BBC News Brasil apurou que ela não tinha nenhuma restrição a viagens e que seu aporte, que chegou a ser apreendido em 2023, já havia sido devolvido.

Zambelli disse que vai usar seu tempo na Europa para denunciar a perseguição política à qual militantes de direita estariam sendo submetidos no Brasil.

"O que nós estamos vivendo hoje é um tempo de ditadura, falta de liberdades, censura e acho que vocês precisam ter pessoas fora do Brasil para poder lutar e continuar denunciando, desta vez na Europa. Vou levar isso a todos os países da Europa. Vou denunciar em todas as cortes que a gente tiver pra denunciar", afirmou a parlamentar.

Além da pena de prisão em regime fechado, a deputada foi condenada à perda do mandato e ao pagamento de indenização, por envolvimento na invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo crime de falsidade ideológica.

Zambelli foi acusada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de planejar e coordenar, com o auxílio do hacker Walter Delgatti, uma invasão ao sistema do CNJ no início de 2023.

Segundo a denúncia, o objetivo era incluir alvarás de soltura falsos e um mandado de prisão forjado contra o próprio Moraes.

Delgatti, que confessou o ataque, foi condenado a oito anos e três meses de prisão. Ele afirma ter feito a invasão a mando da deputada.

No voto que embasou a condenação, Moraes afirmou que Zambelli atuou de forma "premeditada, organizada e consciente", com a intenção de desacreditar as instituições do Estado democrático de Direito.

"Como deputada federal, portanto representante do povo brasileiro e jurada a defender a Constituição, utilizou-se de seu mandato e prerrogativas para, deliberadamente, atentar contra a credibilidade do Poder Judiciário", escreveu o ministro.

A pena, segundo ele, foi agravada pelo "comportamento social desajustado ao meio em que vive a acusada" e pelo "desrespeito às instituições e à democracia".

A defesa da parlamentar argumenta que a condenação se baseou exclusivamente nos depoimentos de Delgatti, que seriam contraditórios e imprecisos.

Segundo os advogados, não houve pagamento por serviços ilegais e não há provas técnicas de que Zambelli tenha redigido ou enviado os documentos falsos incluídos no sistema do CNJ.

Carla Zambelli
Getty Images
Deputada ganhou notoriedade após 2013, durante manifestações contra o então governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT)

'Vítima de perseguição'

Após o STF formar maioria pela condenação a dez anos de prisão, Zambelli afirmou ser vítima de perseguição política.

Em entrevista coletiva em 15 de maio, ela também criticou o andamento do processo e negou qualquer envolvimento nos crimes.

"Não colocaria meu mandato em risco por uma brincadeira sem graça", disse então a deputada.

Zambelli negou envolvimento nos crimes e afirmou que não há provas que a conectem diretamente à invasão.

Ela também acusou Delgatti de ser um "mentiroso patológico" que alterou sua versão dos fatos em pelo menos seis depoimentos.

"A própria Polícia Federal, quando esteve na casa dele, o classificou como mitômano, que mente e inventa histórias", afirmou.

O advogado da deputada, Daniel Bialski, criticou o formato do julgamento. Segundo ele, a realização em plenário virtual impediu a apresentação oral dos argumentos da defesa.

"É inaceitável que o julgamento tenha ocorrido de forma virtual, sem que o advogado estivesse presente diante dos ministros. Isso é um cerceamento de defesa", declarou.

Carla Zambelli
Bruno Spada/Câmara dos Deputados
A defesa de Zambelli afirmou que vai entrar com os pedidos de recursos

'Não sobreviveria à cadeia'

Na entrevista coletiva, Zambelli também mencionou que enfrenta problemas de saúde, como a síndrome de Ehlers-Danlos — condição genética que causa hipermobilidade nas articulações —, além de depressão e uma disfunção cardíaca conhecida como síndrome da taquicardia postural ortostática.

"Pedi relatórios aos meus médicos, e eles são unânimes em afirmar que eu não sobreviveria à cadeia", disse a deputada.

"Se acontecer de ter a prisão, vou me apresentar. Mas não me vejo capaz de ser cuidada da maneira como devo ser cuidada", afirmou.

A decisão de maio foi a segunda vez, em menos de dois meses, que o STF condenou Carla Zambelli.

Em março, os ministros já haviam votado por uma pena de cinco anos e três meses de prisão em regime semiaberto, por porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal.

O caso diz respeito ao episódio em que a deputada perseguiu um homem armada pelas ruas de São Paulo, na véspera do segundo turno das eleições de 2022. O julgamento, porém, foi interrompido após um pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques.

No âmbito eleitoral, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) decidiu, em janeiro, cassar o mandato de Zambelli por disseminação de desinformação durante as eleições de 2022. A decisão, no entanto, ainda aguarda a análise de recursos para entrar em vigor.

Já Walter Delgatti Neto permanece preso desde 2023 por outros crimes cibernéticos, incluindo a invasão de contas de autoridades no Telegram.

Ele ficou conhecido por seu envolvimento no caso "Vaza Jato", quando reou mensagens obtidas ilegalmente a partir de invasões à força-tarefa da Lava Jato e ao ex-juiz Sergio Moro. O conteúdo foi divulgado inicialmente pelo site The Intercept Brasil.

No processo atual, ele foi condenado a oito anos e três meses de prisão, e, junto com Zambelli, deverá pagar uma multa de R$ 2 milhões por danos morais e coletivos.

BBC
Leandro Prazeres e Thais Carrança - Da BBC News em Brasília e em São Paulo
postado em 03/06/2025 11:32 / atualizado em 03/06/2025 13:30
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