
A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), condenada a 10 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta terça-feira (3/6) que deixou o Brasil em direção à um país da Europa e que vai se licenciar do cargo para, segundo ela, lutar contra o que classificou de "falta de liberdades" e "censura" no Brasil.
"Gostaria de deixar bem claro que não é um abandono do país. Não é desistir da minha luta. Muito pelo contrário. É resistir. É continuar falando o que eu quero falar. Voltar a ser a Carla antes das amarras que essa ditadura nos impôs", disse a parlamentar em entrevista à rádio Auriverde, em transmissão na manhã desta terça-feira.
Zambelli não revelou em que país europeu ela estaria. A parlamentar afirmou ter cidadania de algum país europeu e que vai solicitar uma licença não-remunerada da Câmara dos Deputados para seguir fora do país. Ela disse que o pedido será semelhante ao feito pelo deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que, desde fevereiro está vivendo nos Estados Unidos.
A suposta ida de Zambelli à Europa acontece menos de um mês depois de ela ter sido condenada por unanimidade pela Primeira Turma do STF a 10 anos de prisão pela invasão de sistemas e pela adulteração de documentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Apesar da condenação, ainda não havia mandado de prisão contra a parlamentar. A BBC News Brasil apurou que ela não tinha nenhuma restrição a viagens e que seu aporte, que chegou a ser apreendido em 2023, já havia sido devolvido.
Zambelli disse que vai usar seu tempo na Europa para denunciar a perseguição política à qual militantes de direita estariam sendo submetidos no Brasil.
"O que nós estamos vivendo hoje é um tempo de ditadura, falta de liberdades, censura e acho que vocês precisam ter pessoas fora do Brasil para poder lutar e continuar denunciando, desta vez na Europa. Vou levar isso a todos os países da Europa. Vou denunciar em todas as cortes que a gente tiver pra denunciar", afirmou a parlamentar.
Além da pena de prisão em regime fechado, a deputada foi condenada à perda do mandato e ao pagamento de indenização, por envolvimento na invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo crime de falsidade ideológica.
Zambelli foi acusada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de planejar e coordenar, com o auxílio do hacker Walter Delgatti, uma invasão ao sistema do CNJ no início de 2023.
Segundo a denúncia, o objetivo era incluir alvarás de soltura falsos e um mandado de prisão forjado contra o próprio Moraes.
Delgatti, que confessou o ataque, foi condenado a oito anos e três meses de prisão. Ele afirma ter feito a invasão a mando da deputada.
No voto que embasou a condenação, Moraes afirmou que Zambelli atuou de forma "premeditada, organizada e consciente", com a intenção de desacreditar as instituições do Estado democrático de Direito.
"Como deputada federal, portanto representante do povo brasileiro e jurada a defender a Constituição, utilizou-se de seu mandato e prerrogativas para, deliberadamente, atentar contra a credibilidade do Poder Judiciário", escreveu o ministro.
A pena, segundo ele, foi agravada pelo "comportamento social desajustado ao meio em que vive a acusada" e pelo "desrespeito às instituições e à democracia".
A defesa da parlamentar argumenta que a condenação se baseou exclusivamente nos depoimentos de Delgatti, que seriam contraditórios e imprecisos.
Segundo os advogados, não houve pagamento por serviços ilegais e não há provas técnicas de que Zambelli tenha redigido ou enviado os documentos falsos incluídos no sistema do CNJ.

'Vítima de perseguição'
Após o STF formar maioria pela condenação a dez anos de prisão, Zambelli afirmou ser vítima de perseguição política.
Em entrevista coletiva em 15 de maio, ela também criticou o andamento do processo e negou qualquer envolvimento nos crimes.
"Não colocaria meu mandato em risco por uma brincadeira sem graça", disse então a deputada.
Zambelli negou envolvimento nos crimes e afirmou que não há provas que a conectem diretamente à invasão.
Ela também acusou Delgatti de ser um "mentiroso patológico" que alterou sua versão dos fatos em pelo menos seis depoimentos.
"A própria Polícia Federal, quando esteve na casa dele, o classificou como mitômano, que mente e inventa histórias", afirmou.
O advogado da deputada, Daniel Bialski, criticou o formato do julgamento. Segundo ele, a realização em plenário virtual impediu a apresentação oral dos argumentos da defesa.
"É inaceitável que o julgamento tenha ocorrido de forma virtual, sem que o advogado estivesse presente diante dos ministros. Isso é um cerceamento de defesa", declarou.

'Não sobreviveria à cadeia'
Na entrevista coletiva, Zambelli também mencionou que enfrenta problemas de saúde, como a síndrome de Ehlers-Danlos — condição genética que causa hipermobilidade nas articulações —, além de depressão e uma disfunção cardíaca conhecida como síndrome da taquicardia postural ortostática.
"Pedi relatórios aos meus médicos, e eles são unânimes em afirmar que eu não sobreviveria à cadeia", disse a deputada.
"Se acontecer de ter a prisão, vou me apresentar. Mas não me vejo capaz de ser cuidada da maneira como devo ser cuidada", afirmou.
A decisão de maio foi a segunda vez, em menos de dois meses, que o STF condenou Carla Zambelli.
Em março, os ministros já haviam votado por uma pena de cinco anos e três meses de prisão em regime semiaberto, por porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal.
O caso diz respeito ao episódio em que a deputada perseguiu um homem armada pelas ruas de São Paulo, na véspera do segundo turno das eleições de 2022. O julgamento, porém, foi interrompido após um pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques.
No âmbito eleitoral, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) decidiu, em janeiro, cassar o mandato de Zambelli por disseminação de desinformação durante as eleições de 2022. A decisão, no entanto, ainda aguarda a análise de recursos para entrar em vigor.
Já Walter Delgatti Neto permanece preso desde 2023 por outros crimes cibernéticos, incluindo a invasão de contas de autoridades no Telegram.
Ele ficou conhecido por seu envolvimento no caso "Vaza Jato", quando reou mensagens obtidas ilegalmente a partir de invasões à força-tarefa da Lava Jato e ao ex-juiz Sergio Moro. O conteúdo foi divulgado inicialmente pelo site The Intercept Brasil.
No processo atual, ele foi condenado a oito anos e três meses de prisão, e, junto com Zambelli, deverá pagar uma multa de R$ 2 milhões por danos morais e coletivos.
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