ARTIGO

Ainda é cedo: envelhecendo com cidadania

Pudemos perceber, com o vestibular 60 mais, que a chave da cidadania é estar inserido na vida cotidiana sem barreiras de discriminação e preconceito

Vestibular 60  UnB -  (crédito: Fotos: Davi Cruz)
Vestibular 60 UnB - (crédito: Fotos: Davi Cruz)

Márcia Abrahãoex-reitora da UnB (2016-2024) e presidente da Associação dos Dirigentes das Instituições Federais de Educação Superior – Andifes (2023-2024)

No último domingo (8/6), a Universidade de Brasília (UnB) realizou a quarta edição do vestibular 60 mais, como parte da Política do Envelhecimento Saudável, Participativo e Cidadão, aprovada pelo seu Conselho de Direitos Humanos em 2023. A novidade, que  logo fez sucesso no Distrito Federal e no Brasil, estabeleceu um marco na forma como a universidade reconhece o potencial das pessoas idosas e defende a sua inserção na sociedade. Eu mesma acabei de completar 60 anos e estou em plena capacidade física e intelectual.

Como expressei no prefácio de Superando o idadismo: guia de boas práticas para convivência intergeracional, elaborado por pesquisadoras extremamente qualificadas e publicado em outubro de 2024 (disponível em https://bdce.unb.br/bibliodex/superando-o-idadismo-guia-de-boas-praticas-para-convivencia-intergeracional/),  envelhecer constitui sabedoria, saúde e sobriedade. O trabalho do grupo que produziu a publicação se soma a pesquisas, projetos de extensão e ações institucionais que se dedicam, de diversas formas, a proporcionar o envelhecimento saudável na UnB e na sociedade.  

O primeiro vestibular 60 mais, realizado em 2024, quando filhos e netos acompanharam pais e avós ansiosos, foi um momento lindo de testemunhar. Pudemos perceber que a chave da cidadania é estar inserido na vida cotidiana sem barreiras de discriminação e preconceito. 

Pode-se levar muito tempo para se tornar um bom cientista ou literato, por diversos motivos. Na maioria das vezes, não é porque as pessoas começaram tarde. Principalmente no caso de mulheres, sobretudo as mais pobres, que aram a vida tendo que dividir o trabalho com as atividades de cuidados, foi a oportunidade que chegou mais tarde.

Algumas expoentes da ciência brasileira tiveram o auge de sua produção na fase de maturidade de seus estudos. A lendária médica psiquiatra e psicóloga Nise da Silveira, por exemplo, foi estudar na Europa com Carl Jung, com uma bolsa de estudos do Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), quando tinha 51 anos. Escreveu o seu primeiro livro com mais de 60. 

Nossa engenheira agrônoma Johanna Döbereiner, que é figura-chave da transformação do Brasil em uma potência mundial na produção de alimentos, fez seu estudo revolucionário sobre bactérias fixadoras de nitrogênio quando tinha 64 anos. A poetisa goiana Cora Coralina publicou seu primeiro livro quando tinha quase 76 anos de idade.

Os dados do Censo Demográfico mais recente mostram que o número de pessoas com 60 anos ou mais no Brasil ou de 21 milhões em 2010 para mais de 32 milhões em 2022, um aumento de 56%. Esse expressivo avanço provavelmente antecipará o fim de nosso bônus demográfico; ou seja, em breve, a proporção de pessoas em idade ativa será menor que a de crianças e, sobretudo, de idosas. Estaremos na condição de países como Japão, Coreia e de boa parte dos países europeus. 

Essa tendência é um desafio e, ao mesmo tempo, uma oportunidade. Se prepararmos nossa população idosa para atividades criativas e intensivas em conhecimento, elas não só podem exercer atividades produtivas de elevado valor, como podem fazer isso como uma opção de vida ativa e saudável.

No Distrito Federal, houve expressivo aumento do número de idosos de 2010 a 2022, que ou de 7,7% da população para 13%, com predomínio de mulheres (58%), o que resulta em 76 homens idosos para cada 100 mulheres. Já no mercado de trabalho, os homens idosos predominam (58%). 

Todos esses dados nos levam a refletir sobre os desafios postos e a importância de aprimorarmos as políticas públicas voltadas para essa faixa da população brasileira e do Distrito Federal, nas mais diversas áreas, como saúde, educação, mercado de trabalho, integração com as cidades e bem-estar social.

Um ponto de partida é o combate ao idadismo (o preconceito aos idosos) nas mais diversas formas em que se apresenta. Entre as ações fundamentais, estão o acolhimento da pessoa idosa como parte da sociedade e a oferta adequada de serviços públicos para os diferentes perfis de idosos, de modo a garantir os direitos fundamentais dessa população que ainda tem muito a contribuir para a vida das pessoas, para o Distrito Federal e para o país.

Vamos envelhecer juntos, com amorosidade, dignidade e qualidade de vida.

 

Por Opinião
postado em 09/06/2025 06:00
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